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EFAF - RESUMO - IDENTIDADE, ETNIA E RELIGIÃO

RESUMO - EF ANOS FINAIS

RESUMO – IDENTIDADE, ETNIA E RELIGIÃO

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De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião - REGINALDO PRANDI

REVISTA USP, São Paulo, n. 46, p. 52-65, junho/agosto 2000


I

Entre os anos de 1525 e 1851, mais de cinco milhões de africanos foram trazidos para o Brasil na condição de escravos, não estando incluídos neste número, que é uma aproximação, aqueles que morreram ainda em solo africano, vitimados pela violência da caça escravista, nem os que pereceram na travessia oceânica. Não se sabe quantos foram trazidos desde que o tráfico se tornou ilegal. Ao longo de mais de três séculos, enquanto a própria nação brasileira se formava e tomava corpo, os africanos foram trazidos das mais diferentes partes do continente africano abaixo do Saara (Conrad, 1985, pp. 34-43). Não se tratava de um povo, mas de uma multiplicidade de etnias, nações, línguas, culturas. No Brasil foram sendo introduzidos nas diferentes capitanias e províncias, num fluxo que corresponde ponto por ponto à própria história da economia brasileira. A prosperidade econômica estava relacionada a uma intensificação da demanda de mão-de-obra escrava: não havia a possibilidade do progresso material sem que mais negros fossem importados, pois o trabalho era essencialmente africano e afrodescendente. Os escravos provinham de onde fosse mais fácil capturá-los e mais rendoso embarcá-los. O infame comércio dependia, na África, das próprias condições locais das populações nativas, regulado por suas guerras, ódios intertribais, domínios imperiais (Johnson, 1921). O tráfico era rendosa atividade econômica para portugueses, brasileiros e traficantes de outras nações, mas era igualmente vantajoso para os africanos que caçavam e vendiam africanos. A África já praticava o cativeiro muito antes da descoberta da América e a Europa já importava escravos africanos antes da descoberta do Novo Mundo, mas foi o tráfico para cá do Atlântico que transformou a caça de escravo na mais rendosa atividade para o próprio africano, num mercado de escambo que dava a ele cobiçadas mercadorias do Novo Mundo, especialmente o tabaco. A origem dos africanos trazidos para o Brasil dependia também, e especialmente, de acordos e tratados realizados entre Portugal, Brasil e potências europeias, sobretudo a Inglaterra. A África, também como celeiro de mão-de-obra, era evidentemente loteada entre os países coloniais-escravistas, e a origem do tráfico mudou muito, em três séculos, em função dos cambiantes interesses das potências envolvidas, suas disputas, guerras e tratados (Oliveira, 1999).


II

Os povos da África Negra são classificados, grosso modo, em dois grandes grupos linguísticos: sudaneses e bantos. Os sudaneses constituem os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda mais o norte da Tanzânia. Ao norte representam a subdivisão do grupo sudanês oriental (que compreende os núbios, nilóticos e báris) e abaixo o grupo sudanês central, formado por inúmeros grupos linguísticos e culturais que compuseram diversas etnias que abasteceram de escravos o Brasil, sobretudo os localizados na região do Golfo da Guiné e que, no Brasil, conhecemos pelos nomes genéricos de nagôs ou iorubás (mas que compreendem vários povos de língua e cultura iorubá, entre os quais os oyó, ijexá, ketu, ijebu, egbá, ifé, oxogbô, etc.), os fon-jejes (que agregam os fon-jejesdaomeanos e os mahi, entre outros), os haussás, famosos, mesmo na Bahia, por sua civilização islamizada, mais outros grupos que tiveram importância menor na formação de nossa cultura, como os grúncis, tapas, mandingos, fântis, achântis e outros não significativos para nossa história. Frequentemente tais grupos foram chamados simplesmente de minas. Os bantos, povos da África Meridional, estão representados por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados, estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança. O termo “banto” foi criado em 1862 pelo filólogo alemão Willelm Bleek e significa “o povo”, não existindo propriamente uma unidade banto na África. A principais línguas deste tronco são: o ajauá, falado em terras contidas hoje em Moçambique, Malauí e Zimbábue; o ganguela, na fronteira leste de Angola e oeste de Zâmbia; cuanhama, no Sudoeste africano contido em Angola e Namíbia; o iaco-cuango-casai, no Zaire; macua, em Moçambique; quicongo, no Congo, Cabinda e Angola; quimbundo, em Angola (acima do Rio Cuanza e ao redor de Luanda); quinguana, no Zaire; quioco, no nordeste de Angola; ronga, em Moçambique e Zimbábue; suaíle, na Tanzânia, Zanzibar e Moçambique; suto, na África do Sul; tonga, em Moçambique e Zimbábue; xona, em Moçambique, Zimbábue e Botsuana; umbundo, em Angola, abaixo do Rio Cuanza e na região de Benguela (Lopes, 1998). Todas estas denominações datam de meados do século passado para cá, resultado sobretudo do trabalho de linguistas e etnólogos, tendendo as etnias a serem reconhecidas pela designação da língua. Em anos recentes, estudos linguísticos demonstraram a sobrevivência no Brasil de elementos originários principalmente do quicongo, quimbundo e umbundo, o que nos dá uma boa pista da superioridade demográfica, entre os bantos no Brasil, dos africanos provenientes do Congo e de Angola, onde estas línguas são faladas. De fato, reminiscências culturais desses grupos são conhecidas entre nós como congo, angola e cabinda, hoje usando-se genericamente o termo angola para todos os bantos, sobretudo quando se trata da designação de religião afro-brasileira de origem banto ou de outra modalidade cultural, como a capoeira, luta marcial afro-brasileira. Grupos falantes da mesma língua podiam formar na África muitas variantes culturais, às vezes com dialetos próprios e particularidades culturais. Entre os iorubás, por exemplo, além de falarem variantes dialetais, diferentes cidades e aldeias cultuavam divindades específicas, mantinham costumes cerimoniais próprios, tinham músicas distintas e assim por diante. Até o século XVIII, cada grupo iorubá era identificado pela sua cidade, não havendo um nome para designá-los em conjunto. Cada cidade era politicamente autônoma, cada uma governada por seu obá, ou rei, mas uma delas dominava outras, formando uma sociedade mais ampla, defendida pelo poder imperial da cidade dominante. Embora a economia fosse baseada na agricultura, caça e pesca, a população habitava as cidades, das quais Ifé, a cidade sagrada, era considerada o berço dos iorubás e da humanidade toda. Entre os iorubás o último grande império foi o da cidade de Oió, a que estavam submetidas a maioria das demais cidades. Destas cidades, duas ocupam papel especial na memória da cultura religiosa que se reproduziu no Brasil: Oió, a cidade de Xangô, e Ketu, cidade de Oxóssi, além de Abeokutá, centro de culto a Iemanjá, e Ilexá, a capital da subetnia ijexá, de onde são provenientes os cultos a Oxum e Logun-Edé. As inúmeras variantes culturais locais, tanto no caso dos bantos como dos iorubás ou nagôs, não sobreviveram como unidades autônomas e muitas foram totalmente perdidas no Brasil. Diferenças específicas foram apagadas, amalgamando-se em grupos genéricos conhecidos como jejes, nagôs, angola, etc

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