“É válido rir, fazer
graça, denunciar o que está de errado, criar situações irreverentes. O humor (...)
vale quando é livre de qualquer (...) limitação. Mas se deve estar liberto de
censura e conceito, ao mesmo tempo em que tenha algum compromisso ético e
justo, quem haverá de deter o poder de lhe ditar o rumo e a forma, com completa
isenção e preparo? O meu limite não é o seu limite. Uma pessoa tem tolerâncias
diferentes em cada situação e diferentes de outras pessoas. Nossas visões,
reações e gostos se diferenciam, misturam, conflitam e divergem, pois somos
todos únicos. O que me fere e causa repulsa numa piada social, pode ser natural
e bem assimilado por outra pessoa (...).
O humor deve
visar à crítica, não à graça, ensinou Chico Anysio, o humorista popular. E
disse isso quando lhe solicitaram considerar o estado atual do riso brasileiro.
Nos últimos anos de vida, o escritor contribuía para o cômico apenas em sua
porção de ator, impedido pela televisão brasileira de produzir textos. E o que
ele dizia sobre a risada ajuda a entender a acomodação de muitos humoristas
contemporâneos. Porque, quando eles humilham aqueles julgados inferiores, os
pobres, os analfabetos, os negros, os nordestinos, todos os oprimidos que
parece fácil espezinhar, não funcionam bem como humoristas. O humor deve ser o
oposto disto, uma restauração do que é justo, para a qual desancar aqueles em
condições piores do que as suas não vale. Rimos, isso sim, do superior, do
arrogante, daquele que rouba nosso lugar social.
O curioso é perceber como o
Brasil de muito tempo atrás sabia disso, e o ensinava por meio de uma imprensa
ocupada em ferir a brutal desigualdade entre os seres e as classes. Ao
percorrer o extenso volume da História da Caricatura Brasileira (Gala Edições),
compreendemos que tal humor primitivo não praticava um rosário de ofensas
pessoais. Naqueles dias, humor parecia ser apenas, e necessariamente, a
virulência em relação aos modos opressivos do poder.
Fazer rir é uma arte, e como em toda arte há
bons artistas e maus artistas. Há bons músicos e maus músicos, há bons pintores
e maus pintores, há bons humoristas e maus humoristas. O estranho é que, mesmo
assim, quando publicam uma música de mau gosto, que transforma a mulher em
objeto sexual, por exemplo, não se fala em proibi-la, retirá- la de circulação; quando o artista elabora uma pintura obscena, que ofende os bons
costumes, às vezes vira vanguardista, transgressor, e faz sucesso. O humorista,
por outro lado, é o alvo da vez.
Talvez porque haja exageros. No pretexto de
fazer humor, piadistas chegam a extravasar essa esfera e atingir a dignidade, a
reputação e a imagem alheia, causando danos sociais muitas vezes irreparáveis. [...]
Não se pode tolher o humorista de fazer graça
com diferenças genéricas, atribuíveis a pessoas indeterminadas. Há abuso a ser
coibido, contudo, a partir do momento em que o comediante aponta
especificamente o “Fulano de Tal" e, com base em uma característica que
lhe é própria, tira sarro, diminui, ridiculariza aquela pessoa determinada. Aí
cabe ao Poder Judiciário impor as sanções cabíveis para desincentivar condutas
desse jaez. De resto, que se permita o humor para alegrar nossas vidas.
Constituição Federal, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença (...).
PROPOSTA DE REDAÇÃO: A partir do material de apoio e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema: “Caminhos para conciliar humor e liberdade de expressão no Brasil do século 21”. Apresente proposta de intervenção social que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de maneira coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.